segunda-feira, 17 de junho de 2013

DEUS E A BELEZA...

A tenda do Mestre Benjamim estava cheia. Uma velhinha de voz trêmula pele cheia de rugas lhe pediu: Mestre, fale-nos sobre Deus... “
Mestre Benjamim fez silêncio. Olhou para o vazio. Vagarosamente um sorriso foi-se abrindo. 

“Quantas pessoas aqui, na minha tenda, estão pensando no ar? Por favor, levantem uma mão...” 
Ninguém levantou a mão. 
“Ninguém levantou a mão... Ninguém está pensando no ar. Ninguém sabe direito o que é o ar. E, no entanto, todos nós o estamos respirando. O ar é a nossa vida e não precisamos pensar nele nem dizer o seu nome para que ele nos dê vida. Mas o homem que se afoga no fundo das águas só pensa no ar. Deus é assim. Não é preciso pensar nele e pronunciar o seu nome. Ao contrário, quando se pensa nele o tempo todo é porque está se afogando... 
 “Que desejamos para os nossos filhos? Que eles sejam felizes. Sorrimos ao vê-los por aí a correr, a pular, a cantar, a brincar, pensando nas coisas de criança. Mas enquanto brincam e riem eles não pensam em nós. Se um filho ao se levantar viesse até você e o elogiasse, e agradecesse porque você lhe deu a vida e jurasse amor para sempre, e fizesse a mesma coisa na hora do almoço, e repetisse os mesmos gestos e palavras ao meio da tarde, e de noite fizesse tudo de novo, suspeitaríamos de que alguma coisa não está bem. O que desejamos é que eles gozem a vida sem pensar em nós. Quem pensa demais e fala demais sobre Deus é porque não o está respirando. 
Fez-se silêncio. Foi quando uma lufada de vento entrou pela tenda, fazendo balançar a lâmpada de óleo que pendia do teto. 
“ Deus é como o vento. Sentimos na pele quando ele passa, ouvimos a sua música nas folhas das árvores e o seu assobio nas gretas das portas. Mas não sabemos de onde vem nem para onde vai. Na flauta o vento se transforma em melodia. Mas não é possível engarrafá-lo. Mas as religiões tentam engarrafá-lo em lugares fechados a que eles dão o nome de “casa de Deus”. Mas se Deus mora numa casa estará ele ausente do resto do mundo? Vento engarrafado não sopra...” 
Ouviu-se então o pio distante de uma coruja. 
“Deus é como um pássaro encantado que nunca se vê. Só se ouve o seu canto...” “Deus é uma suspeita do nosso coração de que o universo tem um coração que pulsa como o nosso. Suspeita... Nenhuma certeza. Deus nos deu asas. Mas as religiões inventaram gaiolas. 
Tudo o que vive é pulsação do sagrado. As aves dos céus, os lírios dos campos... Até o mais insignificante grilo, no seu cricri rítmico, é uma música do Grande Mistério. 
É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo sem nome no assombro da vida. 
Não precisamos dizer o nome “rosa” para sentir o seu perfume. 
”Não precisamos dizer o nome “mel” para sentir a sua doçura.
“Muitas pessoas que jamais pronunciam o nome de Deus o conhecem como reverência pela vida”.
“Há pessoas que se sentem religiosas por acreditar em Deus. De que vale isso? Os demônios também acreditam e estremecem ao ouvir o seu nome (Tiago 2.19). “A pergunta não deveria ser” Você acredita em Deus? Mas ‘Você se comove com a beleza? Deus nunca foi visto por ninguém. Ele se mostra na experiência da beleza.
 “Os homens religiosos procuram Deus no invisível e no mundo após a morte”. Quando alguém morre, eles repetem como consolo: ’Deus o levou para si’. Então, enquanto vivo, ele estava distante de Deus? Deus é Deus dos mortos ou Deus dos vivos? Deus não mora no mundo, passeia pelo jardim. Deus é beleza. E se ele ama o que é feio é só para torná-lo belo... Por isso ele ama os desertos: porque neles se escondem as fontes...
“Quer ver Deus”? Veja a beleza do sol que se põe, sem pensar em Deus.
“Quer ouvir Deus? Entregue-se à beleza da música, sem pensar em Deus.
“Quer sentir o cheiro de Deus? Respire fundo o cheiro do jasmim, sem pensar em Deus.
Quer saber como é o coração de Deus? Empurre uma criança num balanço, porque Deus tem um coração de criança, sem pensar em Deus.
 “Há beleza demais no universo. Mas o tempo vai nos roubando as coisas que amamos. Vai-se o arbusto, vai-se a montanha. Vão-se os riachos cristalinos, vão-se as pessoas amadas, vamos nós... O tempo é um monstro que devora os seus filhos. fica a saudade. Saudade é a presença da ausência das coisas que amamos e nos foram roubadas pelo tempo. Quando se pronuncia o nome sagrado está-se afirmando que a beleza amada não está perdida no passado. Está escrito num poema sagrado:” Lança o teu pão sobre as águas porque depois de muitos dias o encontrarás (Eclesiastes 11.1). As águas dos rios são circulares, o tempo é circular, o que foi perdido volta, um eterno retorno...Deus existe para nos curar da saudade...
“Eu gostaria de dar um conselho ‘ não sejam curiosos a respeito de Deus, pois eu sou curioso sobre todas as coisas e não sou curioso a respeito de Deus. Não há palavra capaz de dizer quando eu me sinto em paz perante Deus e a morte. Escuto e vejo Deus em todos os objetos, embora de Deus eu não entenda nem um pouquinho... Eu vejo Deus em cada uma das 24 horas e em cada instante de cada uma delas, nos rostos dos homens e das mulheres eu vejo Deus... ’(Walt Whitman)’Sejamos simples e calmos como os regatos e as árvores e Deus amar-nos-á fazendo de nós belos como as árvores e os regatos, e dar-nos-á verdor na sua primavera e um rio aonde ir ter quando acabemos’(Alberto Caeiro).”
Ouvidas essas palavras, a velhinha sorriu para o Mestre Benjamin e fez um gesto com a sua mão, abençoando-o.
                                                                                                                                     (Rubem Alves)

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